segunda-feira, março 12, 2007

Cão pobre

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Conhecia os gestos

que atravessam a ausência

e respirava, por assim dizer,

no fundo de um gemido. Cão pobre.
Ouvia o seu nome

e o gemido embatia
nos lábios do homem
e os seus olhos eram dois enigmas,
duas luas mudas, duas noites

dentro do olhar do homem.


A voz disse:

eis a sombra da terra,
o caminho da mãe.

E o homem curvou-se sobre o cão,

homem pobre abraçando o olhar deserto.


Voz antiga:

recebe o mistério do tempo,

escuta os passos da mãe.


#15. Helena Almeida, fragmento de fotografia.

quarta-feira, março 07, 2007

Ouve o som

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Ouve o som levíssimo das árvores
subindo até à chuva,
o silêncio mais puro.
Pronuncia o inverno,
as solitárias sílabas do frio,
no coração do vento há sempre barcos
e aves que estremecem na proa,
a íntima altitude da memória,
a própria ausência
que os teus braços guardam.


#14. Yves Klein, fragmento de objecto.

sábado, março 03, 2007

Observa

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Observa o fundo dos meus olhos
e verás estradas para o teu silêncio
e as portas altas que batiam contra o vento
e as escadas
onde me esperava o teu sorriso.

Naquelas tardes não dormias assim,
dormias no sussurro das saias
que brincavam nas tuas mãos luminosas.

E os pássaros
atravessavam
os céus abertos das janelas

e tu não dormias assim.


#13. Constantin Brancusi, fragmento de escultura.