domingo, julho 12, 2009

Rua chã

.
.
.



Pensamento vagabundo vai.
Se encontrares uma rua chã,
entra no silêncio
que
por dentro selou todas as portas.
Demora-te à escuta dos sons antepassados
sobrevoa as casas sobrevoa as próprias aves
olha devagar as sombras
altas.
Enfrenta o mistério dos espelhos,
pensamento vagabundo segue.
Suporta a insuportável lucidez dos órfãos,
os seres que foram tocados, digo assim,
pela luz rasante das terras antigas.
Sobrevivem agora no meio da multidão,
na cidade longínqua.

Mil anos passaram
e os olhos dos órfãos já não se reconhecem
algures na rua tão perto da dor.


#40. Victor L., fragmento de fotografia.

7 comentários:

Francisca N. disse...

Este poema parece-me profundamente triste, dorido.
Talvez o Victor L. me possa ajudar a entender porque motivo tantos poetas portugueses percorrem na sua escrita caminhos de amargura.

Victor L. disse...

Para Francisca N:

"Rien n'est jamais acquis à l'homme ni sa force/ Ni sa faiblesse ni son coeur et quand il croit/ Ouvrir ses bras son ombre est celle d'une croix/ Et quand il veut serrer son bonheur il le broie/ Sa vie est un étrange et douloureux divorce/
Il n'y a pas d'amour heureux."

(...)

Louis Aragon (1897-1982).

pilar disse...

Como el poema es tan bonito e especial, esta estrofa no podia estar en un solo idioma.

El hombre nada adquiere jamás Ni su ternura/Ni su amor ni su fuerza Y cuando abre los brazos/
La sombra que proyecta es una cruz oscura/Y si abraza su dicha la destroza en pedazos/Su vida es una extraña y espantable locura/
No hay ningún amor feliz.

Versión de: Andrés Holguín

Já pensaram, na quantidade de hispano-falantes andam pelo mundo?
Mas que fique claro, que se alguém o tem em Português, por favor, não deixe de enviá-lo, por que assim servia, também, para os galegos/as, que andamos…

Roteia disse...

No seguimento do comentário de Pilar, atrevo-me a traduzir Aragon para português:

O homem nunca adquire nada nem a sua força/ Nem a sua fraqueza nem o seu coração e quando crê/ Abrir os braços a sua sombra é a de uma cruz/ E quando crê abraçar a felicidade ele esmaga-a/ A sua vida é um estranho e doloroso divórcio/ Não há amores felizes.

Quanto à poesia portuguesa, triste quando é triste, feliz quando é feliz.
Victor L. parece-me tendencialmente triste, mas leio nos seus poemas rasgos de alegria e plenitude.

Victor L. disse...

Continuando,

"Man never truly possesses anything/ Neither is strenght, nor his weakness, nor his heart/
And when he opens his arms
His shadow is that of a cross
And when he tries to embrasse happiness
He crushes it
His life is a strange and painful divorce

There is no happy love"

(in Verbal Collage, cadavre exquis)

pilar e marga disse...

Depois do ler em inglês, por unanimidade, a versão ganhadora é a de Roteia.

Bolota disse...

Bonito poema de quem pressente a perda. Mas todos nos encontramos no mesmo ponto. A distância é ilusória.

Um grande abraço